Eu sou parte da comunicação digital — e posso mudá-la

alana 🤎
4 min readMay 18, 2021

Quando o Brasil ainda estava se acostumando à ideia de estar em uma pandemia, uma profissional que eu acompanhava publicou em seu perfil no Instagram uma chamada para seu curso de organização financeira. O texto dizia mais ou menos o seguinte: “apesar do momento atual, será que você não é o maior responsável pelos problemas do seu negócio?”. Essa insinuação de culpa, desorganização e irresponsabilidade —ainda no baque de março de 2020 — me pareceu tão insensível e inútil (afinal nenhum curso desfaria o estrago da pandemia) que parei de seguir a moça. Não era (e ainda não é) essa a vibe que eu quero para mim.

Ainda que eu discorde de muitos pontos da minha leitura atual (o livro Comunicação não-violenta, de Marshall B. Rosenberg), gosto do que o autor fala sobre o preço emocional da persuasão por sentimentos ruins. Olha só:

Todos pagamos caro quando as pessoas reagem a nossos valores e necessidades não pelo desejo de se entregar de coração, mas por medo, culpa ou vergonha. Cedo ou tarde, sofreremos as consequências da diminuição da boa vontade daqueles que se submetem a nossos valores pela coerção que vem de fora ou de dentro. Eles também pagam um preço emocional, pois provavelmente sentirão ressentimento e menos autoestima quando reagirem a nós por medo, culpa ou vergonha. Além disso, toda vez que os outros nos associam a qualquer desses sentimentos, reduzimos a probabilidade de que no futuro venham a reagir compassivamente a nossas necessidades e valores.

Rosenberg trata, sobretudo, de relações cara a cara, mas eu consigo identificar esse trecho com muito do que ocorre no digital. Meu unfollow foi um pequeno protesto, um rápido não (“eu não aceitaria isso pessoalmente e também não aceito virtualmente”). Esse foi um importante micro momento para perceber que o ciclo da comunicação precisa da minha ação para “fechar”. Quando eu rejeito discursos que tentam me fazer sentir uma fracassada para me transformar em uma consumidora, eu não os faço sumir da internet, mas não entrego meu apoio para que cresçam nem permito que influenciem minhas decisões.

Se percebemos que é possível cortar o fio da comunicação agressiva, dos gatilhos de ansiedade, da comunicação pasteurizada e padronizada (vendida como regra ou diferencial por muitos “professores”, mas que acabou deixando a gente meio igual), enxergamos o óbvio: a internet é construída por todos. Ela é um constante gerúndio, sempre em transformação. Nada “tem que ser”, a não ser que a gente aceite que seja. Ainda que inteligências artificiais decidam muito do que acontece por aqui, não podemos ignorar a parcela de responsabilidade e escolha que ainda é nossa.

Compreender que somos parte desse ciclo também motiva a produzirmos de uma maneira diferente: mais reflexiva, empática, generosa e vulnerável, ainda que esse não seja o padrão dominante. Criar conteúdo com base no que “funciona” ou nas “regras da internet” é apenas uma forma de colocar a responsabilidade em algo externo e impessoal e retirá-la de nós mesmos. Rosenberg também fala sobre isso em seu livro:

Outro tipo de comunicação alienante da vida é a negação de responsabilidade. A comunicação alienante da vida turva nossa consciência de que cada um de nós é responsável por seus próprios pensamentos, sentimentos e atos. O uso corriqueiro da expressão “ter de” (como em “Há algumas coisas que você tem de fazer, quer queira, quer não”) ilustra de que modo a responsabilidade pessoal por nossos atos fica obscurecida nesse tipo de linguagem. […] Ficamos perigosos quando não temos consciência de nossa responsabilidade por nossos comportamentos, pensamentos e sentimentos. Em outra ocasião, quando eu prestava consultoria a uma secretaria municipal de ensino, uma professora observou: “Detesto dar nota. Acho que elas não ajudam e ainda criam muita ansiedade nos alunos. Mas tenho de dar, é a política da secretaria”. Tínhamos acabado de praticar como introduzir na sala de aula um tipo de linguagem que aumentasse a consciência da responsabilidade pessoal. Sugeri que a professora substituísse a frase “Tenho de dar nota porque é a política da secretaria” por esta, completando-a: “Eu opto por dar nota porque desejo…” Ela respondeu sem hesitação: “Eu opto por dar nota porque desejo manter o emprego”. Apressou-se a acrescentar: “Mas não gosto de dizer dessa maneira. Faz que eu me sinta tão responsável pelo que faço…” Respondi: “É exatamente por isso que quero que você diga dessa maneira”.

Escolher ser parte de uma comunicação mais saudável é pessoalmente importante, pois está relacionado com visão de mundo, propósito e empatia. Mas também é relevante para a comunidade na internet, pois desloca do centro, pelo menos um pouco, o paradigma da linguagem agressiva, acusatória e excessivamente persuasiva e apresenta uma alternativa — tanto para quem já é rato de internet quanto para quem está chegando agora para tentar vender seu peixe.

Encerro com algumas perguntinhas para refletirmos. Elas também estão pipocando na minha cabeça, pois desejo pensar e escrever mais sobre o assunto.

  • Existem formas mais empáticas, sensíveis e compassivas de se comunicar na internet, mesmo que seja para expor seu trabalho? Por que não testá-las?
  • É possível nadar contra a corrente e ainda alcançar sucesso com nossa comunicação? Ou as ideias de persuasão e sucesso precisam ser repensadas?
  • Você acha que as pessoas já estão calejadas com uma linguagem bem “marketeira”? Será que essa naturalização está fazendo com que ela perca poder?
  • Mesmo que uma comunicação mais incisiva e persuasiva funcione, essa prática é sustentável a longo prazo?

Obrigada por concluir a leitura! Até mais :)

--

--